O home office veio para ficar, mas não da forma que funciona hoje. É o que mostram pesquisas feitas por consultorias e plataformas de recrutamento consultadas pelo CNN Brasil Business, como Robert Half, Michael Page e Revelo.
“O trabalho remoto veio para ficar. A questão agora é descobrir o formato. Mas isso ainda é uma zona cinzenta, para ser sincero”, diz Lucas Oggiam, diretor da Michael Page e Page Personnel.
Um levantamento da Robert Half com mais de 800 colaboradores no Brasil aponta que o sistema agradou à maioria. Entre os entrevistados, 86% querem trabalhar de casa mais vezes por semana, mesmo após o fim do isolamento.
O trabalho remoto também fez sucesso entre os gestores. Pesquisa feita com cerca de 300 líderes de grandes empresas aponta que 62% dos gestores envolvidos em processos seletivos aprovam o sistema de home office e 74% apoiam a ideia de equipes híbridas, com funcionários que trabalham de casa e outros presencialmente.
Mas, juntamente com o novo modelo de trabalho, vieram problemas: jornadas mais longas (52%), dificuldade para separar vida pessoal e profissional (51%) e medo de demissão (74%) são algumas questões apontadas por colaboradores que adotaram home office.
“Falta encontrar o ponto de equilíbrio. As pessoas não sabem nem dizer quantos dias gostariam de ficar em casa ou ir ao escritório. É um período de transição”, analisa Fernando Mantovani, diretor-geral da Robert Half.
Os especialistas concordam que o trabalho remoto deve ser somado ao sistema presencial e não o substituir, como acreditavam alguns no início da pandemia. O mais provável, dizem eles, é que se formem equipes híbridas — com profissionais que trabalham presencialmente e outros de forma remota — ou mesmo que haja escalas específicas para cada membro do time.
“O que a gente tem visto na maioria das empresas é uma tentativa de balancear em 60/40. Pouco mais da metade do tempo em casa e o restante no escritório ou vice-versa”, diz Oggiam, da Michael Page. Os motivos para isso? Mais produtividade, menos custo.
Novo normal
Gigantes da tecnologia já consideram manter o home office para todo o quadro de funcionários. Em agosto, o Twitter anunciou que ia permitir que seus funcionários continuassem trabalhando em casa “para sempre”, se eles quiserem.
“Se nossos funcionários tiverem responsabilidades e funções que podem ser desempenhadas remotamente e quiserem continuar dessa forma para sempre, faremos isso acontecer”, disse a vice-presidente de pessoas do Twitter, Jennifer Christie, em comunicado ao CNN Business nos EUA. “Do contrário, nossos escritórios continuam calorosos e acolhedores, com alguns cuidados adicionais, quando sentirmos que é seguro retornar.”
Da mesma forma, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, já disse publicamente que até 50% dos funcionários da empresa podem trabalhar remotamente nos próximos cinco a 10 anos.
“Quando você limita a contratação a pessoas que vivem nas poucas grandes cidades do mundo, ou que estão dispostas a se mudar, isso elimina muitos candidatos que vivem em comunidades menores, têm origens diferentes, têm perspectivas diferentes”, disse Zuckerberg em uma transmissão ao vivo pelo Facebook.
Com esse novo sistema sendo encarado como estratégia de longo prazo, surge uma nova preocupação: a retenção de talentos. Em tese, agora, qualquer empresa do mundo pode contratar profissionais em qualquer lugar — e os melhores serão cada vez mais assediados.
De acordo com dados da Revelo, em julho deste ano, 94% dos processos de contratação foram realizados inteiramente a distância — desde o envio de currículos à entrevista final. Em outubro, já na reta final do ano e com a flexibilização do isolamento social, a porcentagem recuou pouco, para 89%. Essa tendência deve se manter pelos próximos anos, acredita a recrutadora.
Escritórios-fantasmas
“Arranha-céus movimentados, centros corporativos e escritórios lotados podem ser uma relíquia do mundo pré-pandêmico”, escreveu Matt Egan, colunista de carreira e mercado de trabalho do CNN Business americano, em agosto.
Numa pesquisa da KPMG entre os líderes corporativos dos EUA, 68% dos CEOs de grandes empresas americanas disseram que planejam pelo menos reduzir o tamanho de seus escritórios — se não os deixar completamente.
“A crise de saúde forçou milhões de americanos a abandonar seus escritórios em favor de trabalhar em casa, para melhor ou para pior. Agora, há sinais de que este pode não ser um fenômeno de curto prazo, mas sim uma mudança permanente em favor do trabalho remoto, mesmo depois que a vacina Covid-19 estiver em vigor”, disse ainda o colunista.
Em junho, a XP anunciou que deve construir sua nova sede no interior de São Paulo, aos moldes de um Apple Park, e com isso levantou novamente a discussão sobre a saturação dos grandes centros. Mas será que, por aqui, a avenida Paulista pode virar uma grande Detroit do mundo corporativo?
A resposta dos especialistas consultados pelo CNN Brasil Business é “não”.
“Isso deve acontecer cada vez mais? Sim. Mas é numa escala muito pequena, não a ponto de dizer que vamos ter cidades-fantasmas. As empresas também sabem que os melhores profissionais estão nas grandes cidades”, diz Oggiam.
De acordo com o diretor da Michael Page, do outro lado da balança do home office, estão perdas na cultura da empresa e engajamento do time. Por isso, o escritório segue sendo um espaço importantíssimo. “Em casa, você perde um pouco daqueles conceitos que fazem uma equipe ser um time. O outro ponto é que nem todo mundo consegue ser mais produtivo em casa. É importante ter a possibilidade de trabalhar do escritório”, explica Oggiam.
Geração burnout
Na pesquisa da Robert Half com mais de 800 funcionários de escritórios, mais da metade afirmou ter estendido a jornada de trabalho durante a pandemia. Isso pode explicar o aumento da produtividade que muitas empresas perceberam enquanto adotaram o sistema de home office. Mas será que é sustentável trabalhar tanto assim, no longo prazo?
“Tem se falado muito sobre burnout. Foi uma das palavras do ano”, diz Oggiam, da Michael Page. De acordo com ele, as pessoas que tiveram mais problemas em fazer essa gestão do tempo são das gerações mais novas.
“Existe um fator que está ligado também à maturidade, à forma como se encara o trabalho”, diz o diretor da Michael Page. Segundo explica, à medida em que o sistema de home office se torne permanente, e os funcionários mais novos ganhem experiência, a tendência é que se chegue a um ponto de equilíbrio.
As empresas parecem estar atentas ao problema. Um estudo da Robert Half realizado ainda em julho já mostrava que os benefícios oferecidos pelas empresas teriam que mudar no médio e longo prazo.
“As empresas maiores já ofereceram auxílio financeiro, mais estrutura e programas de saúde mental aos seus colaboradores. Outras não têm condição. Existe a questão do porte da empresa, nesse caso”, diz Mantovani, da Robert Half.